segunda-feira, 27 de julho de 2009

Vidas Secas (1963)


Título Original: Vidas Secas
Tempo de Duração: 103 minutos
Ano de Lançamento: 1963
Direção: Nelson Pereira dos Santos
País: Brasil

Elenco

Átila Iório (Fabiano)
Maria Ribeiro (Sinhá Vitória)
Orlando Macedo (soldado amarelo)
Jofre Soares (fazendeiro)
Gilvan Lima (menino mais velho)
Genivaldo Lima (menino mais novo)

Sinopse
Família de retirantes (Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e a cachorra Baleia) enfrenta a dura vida da caatinga e as injustiças sociais. Baseado na obra homônima de Graciliano Ramos.

Duas obras-primas: o livro (romance? “romance desmontável”, como disse Rubem Braga? 13 contos tendo o mesmo quinteto como personagens?), publicado por Graciliano Ramos em 1938 e o filme, lançado por Nelson Pereira dos Santos em 1963.
A mesma linguagem seca, econômica, de Graciliano: assim é o filme de Nelson Pereira dos Santos. O Nordeste brasileiro, seco, em preto e branco.
Nelson conseguiu articular com criatividade as peças do romance, sem anular o clima de opressão que, no livro, é expresso pela narrativa enxuta, em terceira pessoa, combinada com o discurso indireto, que nos aproxima do drama das personagens: a natureza adversa, o soldado amarelo, o fazendeiro explorador, o sonho de Sinhá Vitória com uma “cama de gente”, a prisão de Fabiano, a surra na cadeia, “para não se meter a besta diante das autoridades”, a morte da cachorra Baleia (que também nas telas não perdeu sua humanidade).
A ausência de música também contribui para a linguagem seca do filme. O único som que ouvimos – que abre e fecha o filme e que surge e eleva-se nos momentos de tensão, como na morte de Baleia – é o silvo perturbador da roda de um carro de boi.
Nelson incluiu alguns ajustes na narrativa que seriam aprovados por Graciliano, penso eu, tais como: o grupo de cangaceiros e o convite feito a Fabiano para se integrar ao bando; a filha do fazendeiro recebendo aulas de violino quando Fabiano vai acertar as contas com o patrão.
Por outro lado, talvez o cineasta não tenha sido muito feliz em estabelecer uma data para a história que, no filme, se passa entre 1940 e 1942. O livro foi publicado em 1938, mas a narrativa não é datada, o que lhe confere universalidade: a tragédia das vidas secas de Fabiano, Sinhá Vitória, os dois meninos e a cachorra Baleia é a tragédia da opressão em qualquer época e lugar, em que alguns seres humanos vivam subjugados a outros, mais poderosos, e impotentes diante da natureza adversa.
Para Nelson Pereira dos Santos, a escolha da data, “os anos que lembram os momentos decisivos da Segunda Guerra Mundial”, tinha como razão “realçar a singularidade da vida no sertão, longínquo espaço do mesmo planeta”.
Cenas marcantes:
Logo nos primeiros minutos do filme, Sinhá Vitória, dura, bruta, impassível, agarra o papagaio e o mata, para a alimentação da família.
Quando, na casa do fazendeiro, Fabiano vai buscar a caderneta para o acerto de contas com o patrão, observa a filha do fazendeiro tendo aulas de violino: um contraste entre a dura vida que leva e uma outra coisa não-identificável (deleite onírico, mas de um outro sonhador, não dele) não associada à luta pela sobrevivência.
A sequência da morte de Baleia. Nelson Pereira dos Santos declarou que o filme podia falhar em qualquer ponto, “menos na seqüência da morte da Baleia. (...) Toda a agonia da Baleia era a minha preocupação mais importante durante a realização do filme”. Conseguiu: empatia idêntica a que nos entregamos no livro com o sofrimento de Baleia, Sinhá Vitória e os dois meninos, está presente ao assistirmos o filme. Baleia distanciando-se de Fabiano, como a saber que distanciava-se da morte, o tiro, o choro dos meninos na semi-escuridão do casebre, Baleia arrastando-se após o tiro, deitando e fechando os olhos aos poucos, enquanto nós, espectadores, compartilhamos com ela do seu paraíso de preás, é uma das seqüências mais belas da sétima arte.

Vidas Secas foi indicado à Palma de Ouro de Cannes; a cachorra Baleia acompanhou Nelson Pereira dos Santos a Cannes e fez muito sucesso durante todo o festival.

domingo, 21 de setembro de 2008

Tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia (1974)



Título Original: Bring me the head of Alfredo Garcia
Tempo de Duração:
112 minutos
Ano de Lançamento: 1
974
Direção: Sam Pekinpah

País: Estados Unidos / México


Elenco

Warren Oates (Bennie)

Isela Vega (Elita)
Robert Webber (
Sappensly)
Gig Young (Quill)
Emilio Fernández (el jefe)

Kris Kristofferson (Biker)

Janine Maldonado (Theresa)


Sinopse

Latifundiário mexicano, “el jefe”, contrata pistoleiros para trazer a cabeça de Alfredo Garcia, o homem que engravidou sua filha. Na caça a Alfredo, os homens del jefe encontram-se com Bennie, pianista que toca em um bar que recebe turistas em visita ao México. Bennie descobre que sua amante, Elita, foi uma das últimas pessoas a ver Alfredo Garcia, com quem também mantinha um relacionamento amoroso. Elita revela que Garcia morrera havia poucos dias, em um acidente de carro, e está sepultado em sua cidade natal. Bennie e Elita vão à cidade natal de Garcia. O problema é que Bennie é seguido por alguns caçadores de recompensa, que querem “passar a perna” no pianista.

Para mim, um Sam Peckinpah de corpo e alma, inteiro, sem mutilações, o único filme que Sam considerava completamente seu. É o filme em que Sam teve mais liberdade de realização, pois geralmente os grandes estúdios mutilavam suas obras, com considerações morais (comerciais) de vários tipos.

O roteiro é simples. Uma história não precisa de pirotecnias para ser envolvente. Pelo contrário: como um road movie, a fotografia, belíssima (com exceção das cenas noturnas e ao entardecer, a direção de fotografia de Alex Phillips Jr. é muito boa), as estradas áridas do México, envolvem naturalmente o espectador com o destino de Bennie, Elita e Al Garcia.

A pobreza dos mexicanos e de suas habitações contrasta com a opulência da fortaleza del jefe, cercada de capangas, de retratos dos patriarcas familiares, de membros da igreja católica (padres e freiras) e pistoleiros profissionais, travestidos de executivos, todos submissos às ordens do tirano.

São muito interessantes os diálogos de Bennie com a cabeça de Al Garcia (à filha de Sam, Sharon Peckinpah, é creditada a direção dos diálogos). O relacionamento de Bennie e Elita transmite-nos um lirismo que contrasta com o banho de sangue que logo irá jorrar: a prostituta Elita e o pianista fracassado Bennie estão na sarjeta, mas sonham com o casamento. Isso é possível, num mundo onde os que têm muito dinheiro são os que decidem sobre quem morre e quem fica vivo? (Não custa lembrar que o lirismo peckinpahniano pode manifestar-se com a ternura de um postlúdio, em que o amante despeja tequillla na região genital para matar os chatos...)

Bennie segue princípios morais (como a maioria dos personagens de Sam, observe bem). Para ele, um cara endinheirado e seus pistoleiros não podem simplesmente sair matando as pessoas, num profundo desprezo às relações estabelecidas pelos anônimos assassinados, aos pobres e à vida em geral. Por isso, Bennie mata o todo-poderoso, mesmo sabendo que isso pode representar também o fim dele próprio, Bennie.

Podemos ver nos atos de Bennie uma metáfora; imaginemos sua atitude como uma resposta a todos os poderosos do mundo, que decidem o destino dos povos, geralmente dos povos mais pobres do planeta, como fazem os Estados Unidos, matando e destruindo, usando falsas considerações de que está combatendo o terrorismo e outras mentiras mais. Claro que Sam não imaginou o filme sob esse prisma político (ainda bem, caso contrário, poderia não ser a obra-prima que é). Por esse ângulo, Bennie (bem como Pike em Wild Bunch) é um dos personagens mais éticos do cinema: age com a convicção de que tem poucas chances de viver, mas sabe que está acabando com mais um dos tantos “gerentes” que administram os genocídios que ensangüentam a humanidade.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

A Doce Vida (1960)


Título Original: La Dolce Vita
Tempo de Duração: 167 minutos
Ano de Lançamento: (Itália)
1960
Direção: Federico Fellini


Elenco

Marcello Mastronianni (Marcello Rubini)

Anita Ekberg (Sylvia Rank)
Anouk Aimée (Maddalena)
Yvonne Furneaux (Emma)
Alain Cuny (Steiner)

Annibale Ninchi (pai de Marcello)

Walter Santesso (Paparazzo)

Valeria Ciangottini (Paola)


Sinopse (estendida)

O jornalista Marcello Rubini freqüenta o mundo frívolo e festivo da alta classe italiana, final dos anos 50. Enquanto assiste, ora cúmplice, ora distante, as fúteis noitadas burguesas, Marcello lida com a personalidade insegura e depressiva de sua amante Emma. Embora tenha angariado muito apoio pessoal e livre trânsito na high society, Marcello é um intelectual de origem humilde que vive adiando o plano de escrever um livro. As suas incursões pela doce vida italiana do pós-guerra incluem recepcionar e acompanhar a bela atriz norte-americana Sylvia Rank pela noite de Roma e participar de uma festa no palácio do príncipe Mascalchi. Entre uma noitada e outra, Marcelo participa da cobertura jornalística a um suposto milagre nas proximidades de Roma (duas crianças que dizem ver Nossa Senhora), encontra-se com o pai, que está de passagem por Roma e visita o seu amigo Steiner, um intelectual por quem tem grande admiração. A notícia de que Steiner matara os dois filhos e depois se matara, parece suscitar em Marcelo sentimentos de cinismo e ceticismo, os quais expressa de maneira sádica na festa em comemoração ao divórcio de Nádia. No final da festa, vagueia pela praia, bêbado, como os demais convidados, são atraídos para um peixe-monstro recém-pescado, uma menina que conhecera (Paola) acena para Marcelo, mas ele, pateticamente ébrio, não a reconhece.


Para alguns críticos, La dolce vita marca uma nova fase do trabalho de Fellini, em que deixa em segundo plano o neo-realismo dos filmes anteriores e adota uma perspectiva simbolista. As cenas que abrem e fecham o filme, por exemplo, seriam alusões a passagens da A Divina Comédia, de Dante Alighieri.

Fellini retrata a “sociedade do espetáculo” e do consumo, a influência cultural norte-americana sob o boom econômico que atingiu a Itália nos fins da década de 50 e a moral burguesa da futilidade – pano de fundo da “doce” e vazia vida das personagens.

Em La dolce vita está uma das cenas-símbolo da sétima arte: Anita Ekberg banhando-se, de roupa e tudo, na Fontana di Trevi. Também marcantes, são: a abertura do filme, em que um helicóptero sobrevoa a cidade transportando ao vaticano um Cristo de braços abertos, enquanto, de dentro do helicóptero, Marcelo flerta com um grupo de mulheres que tomam sol na cobertura de um edifício, e o final do filme – o sorriso inocente da menina Paola para um Marcelo bêbado e alienado.

Bastante comovente é o “episódio” (o filme foi feito com relativa independência entre as cenas) do encontro de Marcelo com seu pai: enquanto o jornalista tenta valorizar o momento para aumentar a intimidade entre ambos, o seu pai está mais preocupado em encobrir a “vergonhosa” performance com a dançarina Fanny e o fim de seus dias de latin lover.

Frases interessantes? Que tal Marcelo completamente embriagado pela beleza de Sylvia (Marcello Mastronianni devia estar realmente embriagado, pois para aguentar o frio e gravar a cena da Fontana di Trevi, tomara uma garrafa de vodca completa): “Você é a primeira mulher do primeiro dia da criação. Você é mãe, irmã, amante, amiga, anjo, demônio, terra, lar.”


A Democracia Cristã – partido italiano de direita – e o Vaticano foram contra a realização de La dolce vita, pois a aristocracia retratada no filme tinha estreitas ligações com a Igreja.

O governo fascista de Franco proibiu a exibição de La dolce vita na Espanha. O filme só pôde ser assistido pelos espanhóis duas décadas depois, em 1981.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Janela Indiscreta (1954)


Título Original: Rear Window
Tempo de Duração: 107 minutos
Ano de Lançamento (EUA):
1954
Direção: Alfred Hitchcock


Elenco

James Stewart (L.B. "Jeff" Jefferis)

Grace Kely (Lisa Carol Fremont)
Wendell Corey (Tenente Thomas J. Doyle)
Thelma Ritter (Stella)
Raymond Burr (Lars Thorwald)


Sinopse

Em Greenwich Village, Nova York, o fotográfo L.B. Jeffries (James Stewart), está confinado em seu apartamento por ter quebrado a perna enquanto trabalhava. A ociosidade o leva a bisbilhotar da janela a vida dos seus vizinhos, quando vê alguns fatos que o fazem acreditar que um crime foi cometido.


Janela Indiscreta é imperdível por vários motivos. Um deles são os diálogos deliciosos. Thelma Ritter, no papel da enfermeira particular Stella, é responsável por frases ótimas, como estas:

Viramos uma raça de xeretas.”


Sabe a quebra da bolsa em 1929? Eu a previ.”

Como fez isso?”

Estava cuidando de um diretor da General Motors. Problema nos rins. Sabia que era sistema nervoso. Por que a General Motors estaria nervosa? Superprodução. Colapso. Quando a GM precisa ir ao banheiro dez vezes por dia, o país inteiro está prestes a explodir.”


Quando um homem e uma mulher se gostam, devem se unir, de supetão, como uma batida entre dois táxis num cruzamento da Broadway, e não ficar se analisando como espécimes num laboratório.”


De sua indiscreta janela, James Stewart não presencia apenas um provável assassinato, mas outras histórias, como o da Senhorita Coração Solitário, a dos recém-casados, a do compositor, cuja música evita um suicídio, ou a da Senhorita Torso, sempre cercada de admiradores e cuja dança, sensual e espontânea, ignora os olhos do voyeur Jeff – numa cena provocante para os padrões holliwoodianos da época.


Algumas cenas marcantes: a sombra que se projeta sobre o rosto adormecido de Jeff – e logo se revela a belíssima Lisa (Grace Kely), que desperta o fotógrafo com um beijo; os olhos envergonhados de Jeff, que se voltam para o chão quando capta um ou outro momento mais caliente da vida íntima dos vizinhos, mas que insiste em continuar olhando para os apartamentos à sua frente (na verdade, a traseira dos edifícios, já que em inglês, rear significa a parte de trás); Jeff em pânico, mas sem ação, na expectativa da chegada do assassino; a cena final, com Lisa fingindo ler o livro “Além das Cordilheiras do Himalaia”, mas ao perceber Jeff dormindo, volta à sua revista de moda preferida – Bazaar.

O quarto de Jeff é a nossa sala de cinema. Jeff não responde a pergunta de Lars (Raymond Burr) – “o que você quer de mim?”– pois esta pergunta é dirigida a nós, espectadores. Jeff enfrenta o assassino com uma saraivada de flashs de sua máquina fotográfica, cegando-o momentaneamente; assim como a luz em excesso não permite a perfeita exibição do filme (o escurinho do cinema).


Em entrevista a François Truffaut, Hitchcock declarou que considerações de ordem moral não o impediriam de fazer “Rear Window”, tal era o seu amor pelo cinema. Ao que Truffaut respondeu que a moralidade no filme é simplesmente sua lucidez.


Janela Indiscreta é um dos “cinco filmes perdidos de Hitchcok”. Os outros quatro são: Festim Diabólico (Rope, 1948), O Terceito Tiro (The Trouble with Harry, 1955), O homem Que Sabia Demais (The Man Who Knew Too Much, 1956) e Um Corpo Que Cai (Vertigo, 1958). Hitch recuperou os direitos desses cinco filmes e os deixou de legado para sua filha Patricia Hitchcock. Durante décadas os filmes estiveram longe do público, até serem relançados em 1984.